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Foto do escritorStéfany Scalisse

Fórum E-Commerce Brasil 2024 - O futuro da humanidade é analógico: Miguel Nicolelis


Conforme o site do E-commerce Brasil pontuou e o que vimos na palestra que abriu a plenária de Tecnologia e Inovação do Fórum E-Commerce Brasil 2024 com o tema: O futuro da humanidade é analógico, Miguel Nicolelis foi o palestrante convidado para uma roda viva. Médico, neurocientista e professor, Nicolelis apresenta suas opiniões, insights e experiências de vida sob a perspectiva da evolução da inteligência artificial e do fomento das tecnologias no e-commerce.


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Imagem: Miguel Nicolelis em roda viva no auditório de Tecnologia e Inovação no Fórum E-Commerce Brasil 2024 (Imagem: Studio WTF e E-Commerce Brasil)

Estabelecendo o contexto da discussão, o professor relata que, no início de sua jornada na faculdade de medicina, uma questão central se destacava: não faz sentido registrar a atividade de um único neurônio, pois o cérebro humano possui milhões de neurônios operando simultaneamente. Em uma analogia mais concreta, Nicolelis afirma: “como posso estudar a floresta amazônica olhando para uma árvore de cada vez?”.


Rememorando seu passado, o palestrante do Fórum ECBR '24 descreve que dedicou 40 anos a escutar um verdadeiro brainstorm – literalmente, amplificando os sinais dos neurotransmissores do cérebro em grandes caixas de som. Com o tempo e a análise de dados, os pesquisadores conseguiram prever com ⅓ de antecedência as reações motoras de animais e seres humanos antes que elas ocorressem – assim nasceu a interface cérebro-máquina.


Nem inteligência nem artificial


Trazendo o e-commerce para o centro das discussões, cada vez mais, grandes volumes de dados – comparáveis aos milhões de neurônios registrados em uma única tarde – estão sendo processados com a ajuda da inteligência artificial. Nicolelis compartilha sua visão sobre os impactos e implicações do crescimento da IA nos negócios e, especialmente, na vida cotidiana das pessoas.


Há 200 anos, a neurociência começou com a frenologia, uma tentativa de entender traços de personalidade e outras características mentais através das saliências do crânio. Com o tempo, o cérebro passou a ser comparado a máquinas: primeiro, máquinas a vapor; depois, ao rádio; e, finalmente, na Era da Informação e de Alan Turing, o cérebro foi associado a um computador.


No entanto, Nicolelis oferece uma perspectiva diferente, argumentando que a inteligência artificial não pode ser considerada nem verdadeiramente inteligente nem artificial. O professor explica que as inteligências são propriedades emergentes da matéria orgânica, desenvolvidas pelos organismos como uma forma evolutiva de maximizar suas chances de sobrevivência. E a ideia de artificialidade não é adequada, pois as inteligências não podem ser reduzidas a códigos binários.


“Nós não somos sistemas digitais, todas as inteligências são analógicas”, resume o palestrante.


Outro ponto abordado na discussão refere-se aos dados hiper focados, resultado de uma cultura orientada pela inteligência artificial. Segundo um estudo da Nature, detalha o palestrante, se os sistemas generativos começarem a necessitar de uma quantidade excessiva de dados, ocorrerá o fenômeno de data poisoning. Isso significa que os modelos começarão a utilizar dados sintéticos para alimentar seus próprios bancos de dados e, com o tempo, esses modelos não refletirão mais a realidade.


“Estamos entrando em uma bolha de inteligência artificial. As pessoas aumentam o investimento em IA porque o lucro ainda não é claro, então expandem o horizonte de investimento”, reflete o professor.


Cérebro digital e as capacidades cognitivas


O cérebro humano evoluiu ao longo de 3 mil anos, tendo o movimento como um aspecto fundamental. O palestrante compara a mente humana a um camaleão, destacando sua neuroplasticidade contínua, ou seja, ela está sempre se adaptando e nunca se fixa em um único estado. No entanto, o cérebro não se adaptou para lidar com a perda de mobilidade, de atenção ou com a conveniência total – características da sociedade moderna.


A ausência de movimento (tanto físico quanto intelectual) modifica a estrutura cerebral, e com o tempo, certas áreas do cérebro começam a atrofiar. A única incógnita nessa equação é quanto tempo levará para que essa dinâmica, contrária à neuroplasticidade, se manifeste. O cérebro perde suas funções sem atividade.


O professor oferece um exemplo prático para demonstrar a importância da atividade intelectual, que está sendo cada vez mais prejudicada pelo fenômeno da conveniência. Motoristas de táxis na Inglaterra são obrigados a passar por um teste de rotas e caminhos até os destinos sem o uso de tecnologias. De acordo com um estudo citado por Nicolelis, os motoristas antigos apresentavam um hipocampo – a parte do cérebro responsável por transformar memórias de curto prazo em memórias de longo prazo – maior. Hoje em dia, os novos motoristas não desenvolvem essas áreas do cérebro da mesma forma. As capacidades cognitivas dos seres humanos estão em risco.


“Chegamos ao ponto de sermos a espécie dominante no mundo graças aos atributos cognitivos e analógicos da nossa mente”, afirma Nicolelis.


O castelo de cartas


Iniciando uma nova discussão sobre a substituição dos seres humanos por máquinas, Nicolelis aprofunda-se na forma como a sociedade é construída. O professor explica que a maioria dos sistemas no mundo é incomputável, ou seja, não é possível prever quando eles encerrarão suas atividades. Com as máquinas, pelo contrário, é possível antecipar quando seus sistemas podem parar.


Hoje, a inteligência artificial é uma ferramenta, "mas os seres humanos são obcecados por delegar funções que são inerentemente humanas", reforça o palestrante.


Antigamente, um movimento filosófico surgiu tentando reproduzir o ser humano em uma máquina. No entanto, o neurocientista explica que nunca será possível desenvolver um algoritmo ou robô que seja mais inteligente que o ser humano. O motivo é simples: nenhum sistema X pode criar e reproduzir um sistema com complexidade Y maior que X. Em essência, isso significa que os seres só podem criar até o limite de sua própria inteligência e complexidade.


Outro ponto de igual importância é o bom senso dos seres humanos. O palestrante defende que é impossível computar e automatizar o bom senso. Ele ilustra isso com um exemplo claro: durante um tempo, discutiu-se a possibilidade de delegar à inteligência artificial a responsabilidade pelas defesas nucleares dos países, ou seja, a IA seria responsável por analisar estatísticas e movimentos políticos para detectar ameaças e agir preventivamente.


Nicolelis comenta, bem-humorado, que em alguns países isso não funcionaria, usando como exemplo a rivalidade entre Argentina e Brasil no futebol. A inteligência artificial poderia interpretar um jogo entre os dois países como uma agressão séria e ativar as defesas nucleares. Esse exemplo destaca a importância do bom senso humano, que vai além das capacidades estatísticas das máquinas.


Além do bom senso, é crucial entender que a sociedade moderna é construída sobre abstrações do cérebro. Um exemplo interessante é uma nota de vinte dólares. O professor pergunta à plateia: quanto vale uma nota de vinte dólares? Quem acertar pode ficar com ela. A resposta parece óbvia – vinte dólares –, mas, na verdade, essa nota vale apenas o preço do papel e da tinta usados em sua impressão. Em algum momento, a sociedade decidiu que esse papel representava um valor maior na realidade.

"A civilização humana é estruturada em um castelo de cartas recheado de abstrações", conclui Nicolelis.


Chatbots e a criatividade: uma dupla improvável


Voltando ao tópico das compras online, os chatbots surgem como a nova ferramenta de suporte aos consumidores. Nicolelis comenta que essa estratégia é interessante, pois oferece uma rápida injeção de dopamina na mente dos consumidores, proporcionando prazer imediato.


Ao invés de um atendimento humano, que possivelmente seria mais demorado, as inteligências artificiais estão assumindo o papel de facilitadoras. “A conveniência cria a ilusão de que existe algo mais poderoso do que nossa própria capacidade”, afirma Nicolelis.


Os índices de produtividade crescentes estão suprimindo as oportunidades de inovação, pois as pessoas não têm mais tempo para refletir. Um dos grandes problemas da generatividade é que, ao abdicar cada vez mais da criatividade, perdemos a capacidade de inovação. O palestrante detalha que, “no ano passado, 12% de todos os artigos foram escritos pelo ChatGPT”.


O professor também reflete sobre o futuro da capacidade humana em lidar com problemas e falhas em sistemas considerados inteligentes. “Em cada momento livre da sua vida, leia um livro”, sugere, explicando que esses indivíduos entenderão como os negócios funcionam e serão a chave para compreender a lógica dos sistemas. As empresas que vão prosperar e sobreviver à sexta bolha da inteligência artificial serão aquelas que investem e qualificam seus funcionários. Nenhuma tecnologia substituirá colaboradores que entendem do negócio.


“Se no futuro os sistemas forem ensinados apenas com Mozart, nunca mais teremos Beatles”, justifica o neurocientista.


Tecnologia não é o fim, e sim o meio De acordo com o professor, ainda existem custos invisíveis que precisam ser considerados quando o tema é inteligência artificial. “Hoje em dia, a inteligência artificial consome 14% da energia do planeta, devido às fazendas de servidores”, afirma o palestrante. A tecnologia sempre fez parte da neurobiologia dos seres humanos, mas é somente através da capacidade das pessoas de criar tecnologias que se pode manter a essência dos seres vivos.


Nenhuma tecnologia vai solucionar os problemas da humanidade; a humanidade vai solucionar seus próprios problemas”, conclui Miguel Nicolelis.


E aí, curtiu o conteúdo? Se tiver dúvidas ou comentários, não hesite em nos contatar!



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